RPGTober – Dia 3: Crocante

 

O que significa ser crocante (ou crunchy)?

Você provavelmente já ouviu alguém dizer que um jogo é “muito crocante”. Ou talvez tenha visto esse termo jogado por aí nas redes: “Ah, esse sistema é bem crunchy”, “prefiro um RPG mais narrativo, menos crocante”. E aí você pensou: peraí, crocante como? Tipo um Cheetos?

Calma, vem comigo que eu explico.

Estamos falando de comida?

Antes de se tornar um termo técnico de game design, crunchy — traduzido aqui carinhosamente como “crocante” — era só um adjetivo pra textura de comida. Algo que faz “crec-crec” quando você morde. A batata frita certa, o bacon bem feito. Aquele sabor inconfundível do carboidrato, fritura e sal. Se você tem pressão alta e triglicérides, cuidado, continue lendo por sua conta e risco.

Na cultura pop, “crocante” ganhou outro sentido: algo que impacta, que é delicioso de acompanhar. Uma cena de ação bem coreografada, um diálogo afiado, uma ilustração tão boa que parece que você sente o cheiro da tinta. É o tipo de coisa que te faz dizer “hmm, isso tá crocante demais!”

E aí, claro, o pessoal brasileiro e do RPG — que não pode ver um termo divertido sem transformá-lo em jargão e dar aquela aportuguesada — abraçou o conceito.

O crocante no RPG

No contexto dos jogos de mesa, “crunchy” é usado pra descrever sistemas cheios de regras, modificadores, cálculos e detalhes mecânicos. É o oposto de  "fluffy",“narrativo” ou “leve”.

Um sistema crocante é aquele em que o jogador precisa entender não só o que ele quer fazer, mas como o jogo permite que ele faça. E, dependendo da pessoa, isso pode ser o paraíso… ou o inferno.

Pensa em Dungeons & Dragons 3.5. Ou em Pathfinder 1ª edição. São jogos em que cada ponto de atributo, cada talento e cada item tem um impacto calculável na experiência. Você pode passar horas otimizando a ficha do seu guerreiro pra conseguir um crítico, multiplicando seu dano por 3x com rolagens acima de 17 se estiver utilizando uma espada de duas mãos — e sentir um prazer absurdo nisso.

Isso é o crunch. O som dos dados rolando e das engrenagens mentais girando.

Crocância não é vilã (nem heroína)

O grande erro é achar que “crocante” é sinônimo de “complicado demais”. Nem sempre é. Um sistema pode ser crocante e ainda assim ser gostoso de jogar.

A crocrância vem da relação entre regras e sabor — ou seja, o quanto o jogador sente que suas escolhas têm peso e consequência dentro do jogo. Em outras palavras: o crunch é a textura da mecânica.

Sistemas mais secos, por outro lado, são como mingau frio: até alimentam, mas não empolgam.

Um bom exemplo de equilíbrio é Tormenta20. Ele tem regras o bastante pra satisfazer quem gosta de construir personagem e otimizar combate, mas sem espantar quem só quer sair por aí enfrentando goblins e fazendo piada. É crocante, mas não empedrado.

FATE ou Monsterhearts, por exemplo, são o outro extremo. Eles são leves, focados em narrativa, e a mecânica serve mais como tempero do que prato principal. É tipo um sashimi: o sabor vem da experiência, não da textura.

O prazer da crocância

Por que tanta gente gosta de sistemas crocantes?
Porque o cérebro humano adora padrões e recompensas claras. Saber que você pensou numa combinação de talentos que vai render um ataque devastador é satisfatório. É o game designer recompensando o jogador que leu o livro.

Quando você joga algo crocante, você sente que domina as engrenagens. É o prazer do quebra-cabeça resolvido, da planilha vencida, da ficha perfeitamente alinhada. O crunch é o ASMR do jogador de RPG.

E quando o grupo todo embarca nessa — quando cada um entende as regras e joga dentro do mesmo ritmo — o sistema vira um organismo vivo na mesa, cheio de textura. É aí que o termo “crocante” ganha todo o sentido.

Quando o crocante vira crunch time

Mas, claro, a palavra “crunch” tem outro uso bem menos divertido.
No mundo dos videogames, crunch também é o período de trabalho exaustivo antes do lançamento de um jogo. São semanas (às vezes meses) em que desenvolvedores viram noites pra corrigir bugs, balancear sistemas e entregar o produto a tempo.

Ou seja: o crunch é o preço que a indústria paga pela crocância — e, convenhamos, ninguém devia pagar com a própria saúde.

Curiosamente, essa coincidência de termos diz muito sobre a natureza dos jogos: criar algo “crocante”, com regras sólidas e detalhes bem ajustados, exige esforço. Mas quando esse esforço passa do ponto, o resultado queima.

Então, na hora de projetar um sistema ou escolher um jogo pra jogar, vale a reflexão: quanta crocância você aguenta?

Entre o bacon e o biscoito murcho

A verdade é que não existe resposta certa.
Tem gente que quer esfarelar o jogo — extrair o máximo de cada pedacinho de regra, entender cada talento, cada rolagen e teste. Outros preferem algo que derreta na boca e deixe mais espaço pra imaginação.

O segredo, como de costume, está no equilíbrio. Um jogo pode ser crocante nas partes certas (como combate e magia) e leve em outras (como roleplay e narrativa).

Isso, aliás, é o que diferencia bom design de jogo de um amontoado de tabelas. Ser crocante não é o mesmo que ser cabeçudo e difícil de entender. Um bom sistema sabe onde colocar o barulho do “crec”.No fim das contas, a crocância é o tempero da experiência. Sem ela, o jogo pode até ser bonito, mas sempre vai ficar com cara de que ficou faltando alguma coisa.

O veredito final

Então da próxima vez que alguém disser que o sistema é crocante, pergunte: em que sentido?
Ele é crocante porque tem muitas regras, porque é bem projetado ou porque é simplesmente delicioso de jogar?

Seja qual for a resposta, lembre-se: um RPG crocante não é necessariamente mais complexo — ele só tem mais textura. E textura é o que faz a diferença entre um pão artesanal e uma bolacha murcha.

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