A Lâmpada dos Três Enganos
Uma aventura para Mestres que adoram ver jogadores suando frio e gaguejando para escolher as palavras certas
Todo mestre adora quando os jogadores ficam nervosos e, porque não, suando frios diante de uma situação escabrosa. Pois bem: trago aqui um enredo perfeito para isso — a velha e boa “lâmpada dos desejos”. Só que com uma reviravolta: o gênio não é azul, simpático, cheio de piadinhas e dublado pelo Robbin Willians. É um Ifrit maligno, ardiloso, e que se diverte em deturpar pedidos.
O NPC já gastou dois desejos de maneira trágica. Só falta um. E esse último pode ser a chave para salvar o NPC (ou condenar) todos.
O Mercador Azarado
Nosso ponto de partida é Arlen Veynar, um mercador fanfarrão e sonhador, daqueles que jura ter sempre exatamente aquilo que o grupo precisa, mas tem uma tendência a exagerar a importância e utilidade dos itens que oferece. Ele achou a lâmpada por acidente e, obviamente, foi incapaz de resistir à tentação. Quem resistiria?
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Primeiro Desejo: pediu para ser tão rico quanto o duque. Resultado: acordou cercado de tesouros... roubados da casa do Duque. Agora é procurado como ladrão de Estado.
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Segundo Desejo: desesperado, pediu que ninguém pudesse prendê-lo. Resultado: seu corpo se tornou intocável, uma forma de fumaça viva. Não pode comer, beber ou tocar em nada (e com isso ele deixou a lâmpada cair em meio ao tesouro). Está à beira da loucura e desesperado por uma solução
Arlen encontra os heróis implorando ajuda. E o melhor? O Ifrit Zahhak, segue colado nele, rindo a cada passo.
O Vilão da História
Zahhak não é só um espírito maligno: ele é o tipo de antagonista que faz os jogadores morderem a língua antes de abrir a boca. Alto, feito de brasas e fumaça, fala como um advogado dos infernos, sempre procurando a brecha nas palavras. Ele não pode negar desejos — mas pode, e vai, deturpar cada um.
Dica de mestre: interprete Zahhak como um advogado, debochado e cruel. Ele não grita, não ameaça, nem perde a compostura. Explica sorrindo e com calma, como os heróis acabaram de se condenar pelas próprias palavras. Sempre preste atenção quando os jogadores disserem coisas como "Eu desejo" "eu quero" e semelhantes. Zahhak sempre vai ver nessas frases uma oportunidade de formular um desejo deturpado para atrapalhar os heróis. Abaixo alguns exemplos para inspirar os mestres:
O Poder do Carvalho
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Tentação do Ifrit:
“Ah, você deseja ser tão poderoso quanto um carvalho? Que pedido majestoso… árvores vivem séculos, imponentes, inquebráveis.” -
Distorção: O personagem se torna parte-árvore: pele em casca, pés que se enraízam no chão. Forte, mas imóvel.
Rapidez Absoluta
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Tentação do Ifrit:
“Velocidade? Fácil. Você será o mais rápido que já caminhou sobre esta terra.” -
Distorção: O herói passa a se mover tão rápido que o mundo ao redor parece parado. Mas isso significa que ninguém mais o vê, ouve ou acompanha — preso em um fluxo solitário de tempo.
Riqueza Infinita
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Tentação do Ifrit:
“Ah, ouro, diamantes, rubis… imagine nadar em fortuna sem fim!” -
Distorção: A cada passo, o corpo do personagem começa a exsudar ouro sólido. Riqueza infinita, mas que o paralisa e o sufoca lentamente até virar uma estátua dourada.
Imortalidade
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Tentação do Ifrit:
“Deseja viver para sempre? Que dádiva nobre! Não tema mais a morte, mortal.” -
Distorção: O herói é imortal, mas não invulnerável. Sofre dor eterna: queimaduras, cortes, fome, sede… sem nunca morrer.
Ser Temido por Todos
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Tentação do Ifrit:
“Ah, todos se curvando ao seu nome, tremendo só de ouvi-lo… uma visão gloriosa.” -
Distorção: Todos realmente o temem — e fogem dele. Nem aliados, nem família, nem amantes ousam se aproximar. Ele vive isolado, amaldiçoado pela própria fama.
Ser Amado por Todos
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Tentação do Ifrit:
“Um coração que conquista corações! O desejo mais humano de todos.” -
Distorção: Todos amam o herói de forma obsessiva. O grupo inteiro de NPCs começa a disputar sua atenção, gerando caos, ciúme e até violência em nome desse “amor”.
Força Sem Igual
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Tentação do Ifrit:
“Força! O poder bruto dos titãs, esmagando montanhas com os punhos.” -
Distorção: O corpo do personagem cresce e cresce, desproporcional, até se tornar um colosso pesado demais para se mover. Forte, sim… mas imóvel e faminto.
Conhecimento Infinito
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Tentação do Ifrit:
“Saber tudo, ver tudo, compreender tudo… um pedido de sábio.” -
Distorção: O personagem recebe flashes incessantes de todo conhecimento do mundo — impossível de processar. Enlouquece sob a enxurrada de vozes e visões.
Vencer Todos os Inimigos
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Tentação do Ifrit:
“Jamais perder uma batalha, jamais ser derrotado… que destino glorioso!” -
Distorção: Todos os inimigos simplesmente… morrem. Mas isso inclui potenciais rivais, rivais políticos, até animais hostis. O mundo apodrece sem equilíbrio, e os deuses podem vir cobrar o preço.
Liberdade Absoluta
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Tentação do Ifrit:
“Ah, nunca mais acorrentado, nunca mais aprisionado… livre como o vento!” -
Distorção: O personagem se torna literalmente intangível como o ar. Livre de grilhões, mas também incapaz de tocar, comer, beber ou interagir fisicamente com o mundo.
O Jogo Começa
A graça dessa aventura não está resolver as consequências dos dois primeiros desejos e sobreviver ao terceiro.
Após serem convencidos por Arlen a ajudá-lo, ele passa seu direito ao terceiro desejo aos jogadores, mas antes que eles possam formulá-lo ele explica que a lâmpada está na sala do tesouro do Duque. Agora o grupo precisa lidar com alguns problemas:
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Guardas e caçadores de recompensas atrás de Arlen.
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Um duque furioso querendo o “ladrão mágico”.
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Arlen cada vez mais translúcido, correndo o risco de desaparecer para sempre.
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Zahhak sussurrando tentações aos próprios jogadores: “Por que desperdiçar o desejo com ele? Vocês poderiam pedir poder, basta recuperar a lâmpada e dizer o que desejam…”
O Último Desejo
Aqui está o verdadeiro clímax. Os jogadores precisam formular o terceiro desejo. O truque é que Zahhak está preso a regras literais. Quanto mais vago, mais catastrófico. Quanto mais específico, mais chance de sucesso — mas também mais dificuldade em prever todas as brechas.
Alguns caminhos possíveis:
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Desejo de Anulação: “Que todos os efeitos dos desejos feitos por esta lâmpada jamais tenham existido.” — Zahhak pode criar linhas alternativas, ou restaurar a situação com efeitos colaterais.
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Desejo de Prisão: “Que Zahhak volte para a lâmpada, sem jamais poder corromper mortais novamente.” — eficaz, mas agora eles precisam guarda a lâmpada e impedir que ela seja utilizada por alguém no futuro. Ah, e é claro que Zahhak vai jurar vingança antes de ser tragado para dentro da lâmpada novamente. E Arlen vai desaparecer.
Desejo de Sacrifício: Arlen pode se oferecer ou imprudentemente dizer: “Melhor seria se eu não tivesse nascido e nada disso teria acontecido.” — trágico e heroico. Os heróis voltam ao momento antes de serem contatados por Arlen, talvez lembrem-se dele, talvez uma coisa ou outra mude, ou nada muda, fica difícil saber, pelo menos até ser tarde demais.
E o que vai acontecer após o terceiro desejo? Zahhak será liberto? Quem foi que o prendeu na lâmpada?
Como Usar na Sua Campanha
Essa aventura é perfeita para:
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Uma sessão curta, em que o desafio é mais social e narrativo do que de combate.
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Campanhas maiores, além do dungeon crawl clássico em que eles invadem o castelo do Duque, Zahhak pode voltar no futuro como um vilão recorrente. Desejos mal feitos ou distorcidos pelos personagens podem render outra aventuras.
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Os personagens vão precisar esconder a lâmpada ou deixá-la com alguém? Quem seria digno e não seria tentado a usar os desejos para si mesmo?
Conclusão
A Lâmpada dos Três Enganos não é só um desafio. É uma aula de retórica, paranoia e cuidado com as palavras. E, claro, um prato cheio para mestres que adoram ver seus jogadores debatendo durante meia hora a vírgula que vai no desejo final.
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