A Verdadeira Liberdade no RPG é Criar sua Própria História
Imagine começar uma campanha de RPG em Westeros. O mestre descreve um salão, taças de vinho e nobres conspirando. Você mal pensa em qual casa nobre vai jurar lealdade e... um jogador já pergunta: "Podemos ser os irmãos Lannister?"
A tentação é forte, eu sei. Quem não gostaria de brandir um sabre de luz e se declarar um Skywalker? Ou caçar monstros e tossir com uma voz rouca, imitando Geralt de Rívia? Ou ser um suposto irmão Winchester perdido mas mantendo os negócios da família? O problema é que, quando você joga tentando ser os protagonistas de uma história já escrita, você não está jogando RPG. Você está apenas seguindo um roteiro em uma peça de teatro com um roteiro já pronto. O que pode se provar desastroso, tendo em vista a aleatoriedade das rolagens dos dados.
E a verdade é dura e meio difícil de engolir, mas libertadora: essa não é a sua história!
A sua história nas sombras dos heróis
Vamos usar Star Wars como exemplo. Todo mundo quer ser um Jedi, é quase instintivo. Mas o universo de Star Wars é gigante. Você pode ser o contrabandista que o Império nem percebeu que existe atuando na Orla Exterior, a caçadora de recompensas que compete com Boba Fett pelo mesmo alvo, ou o piloto rebelde que nunca chega perto de Luke, mas ainda assim decide o destino de uma batalha ao explodir meia dúzia de TIE Fighters.
A magia de jogar nesse cenário não é repetir a trajetória de Anakin. É escrever uma narrativa paralela, mas com suas consequências próprias. Quando os jogadores param de perseguir os mesmos holofotes dos protagonistas do filme, o cenário tende a crescer junto com eles.
O mundo continua girando
Em Game of Thrones, você não precisa ser um Stark ou um Targaryen para sentir o peso das intrigas. Ser um cavaleiro menor, um mercenário contratado, ou até um mestre construtor da Patrulha da Noite ou um devoto do Senhor da Luz já te coloca no olho do furacão. E, venhamos e convenhamos, é muito mais divertido do que seguir a cartilha dos personagens principais, que já têm um destino selado.
O Witcher que não é o Witcher
Se alguém na sua mesa insistir em jogar de Geralt de Rívia, aqui vai um conselho de mestre: diga que sim, sem hesitar. Mas quando ele sair para caçar o primeiro grifo… faça o grifo devorá-lo. Fim de personagem. Game over.
Ok, deixando o exagero de lado e a castração do sonho do jogador em interpretar o Geralt/Henry Cavill, você pode mostrar para ele que existem outras formas de se divertir jogando nesse cenário.
Porque o ponto é: o mundo de The Witcher não precisa de um único bruxo. Ele precisa de ferreiros que tentam sobreviver em vilas esquecidas, de feiticeiras que negociam poder em troca de favores sombrios, de mercenários que trocam de lado com o tilintar de moedas. Você pode até ser um bruxo, pois existem alguns espalhados pelo mundo, mas essa é a sua versão — não uma cópia barata do original.
A verdadeira liberdade está fora do script
Jogar em cenários famosos não é sobre viver a história dos protagonistas. É sobre se enfiar nas frestas. Criar personagens que nunca pisaram na tela, mas que poderiam estar lá, fazendo a diferença nas sombras.
É como tocar em uma banda cover: você pode até reproduzir a música original, mas só vai criar algo novo quando improvisar seu solo. E o RPG é isso: improviso, risco, e consequências.
Se você aceitar que a história dos grandes heróis não te pertence, descobre algo muito melhor: sua mesa pode criar novos heróis — os seus próprios. E eles podem ser tão ou mais épicos que Luke, Daenerys ou Geralt.
Então, mestre, quando o jogador quiser sentar no Trono de Ferro ou ser o bruxão grisalho de Rívia, sorria e diga: “Essa (não) é a sua história.”
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