RPGTober – Dia 4: Cooperativo
O Cooperativismo no RPG — Por que jogar junto é melhor do que brilhar sozinho
O RPG é, por definição, um jogo cooperativo. A ideia de se sentar em volta da mesa e criar uma história juntos é o coração da experiência. Mas, com o tempo — talvez culpa dos videogames competitivos ou da velha cultura do “build perfeito” — muita gente começou a esquecer o básico: ninguém vence o RPG sozinho.
Este texto é um convite pra repensar o cooperativismo em três camadas:
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na mesa de jogo,
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nas regras e mecânicas,
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e na filosofia que sustenta a experiência.
1. Cooperar é interpretar
Antes de qualquer rolagem de dado, o RPG é um exercício de convivência.
Você se reúne com um grupo de pessoas e decide que, por algumas horas, todo mundo vai fingir ser alguém completamente diferente — e ainda assim precisa funcionar como um time.
Cooperar, no RPG, não é só “curar o colega” ou “ajudar no combate”.
É ouvir a história do outro, abrir espaço pra ele brilhar e entender que a narrativa é construída coletivamente.
Um bom grupo é aquele em que ninguém joga sozinho, mesmo quando está no centro da cena.
Quando um personagem faz um discurso heroico, o grupo escuta. Quando alguém toma uma decisão estúpida, o grupo lida com as consequências junto.
Isso é o que separa uma mesa saudável de uma disputa de egos.
RPG não é competição de protagonismo — é um ensaio de teatro improvisado, e o roteiro só existe se todo mundo quiser que ele exista.
2. O cooperativismo nas regras
Curiosamente, o cooperativismo também é uma escolha de design.
Sistemas de RPG variam muito na forma como incentivam (ou atrapalham) o trabalho em equipe.
Em Dungeons & Dragons, por exemplo, a cooperação é estrutural.
Cada classe tem um papel claro: o guerreiro protege, o mago dá suporte, o ladino resolve problemas que o resto não consegue. É como uma banda: cada instrumento tem seu momento de destaque, mas a música só funciona se todos estiverem afinados.
Outros sistemas reforçam isso ainda mais.
Em Blades in the Dark, os jogadores compartilham medidores de “recompensa” e “estresse”. Quando um personagem assume um risco, pode literalmente dividir o fardo com outro.
Já em FATE ou Apocalypse World, a cooperação é narrativa: o jogo recompensa quem ajuda a construir a cena e a história dos outros.
Esses sistemas não dizem “seja cooperativo” — eles simplesmente tornam vantajoso cooperar.
E isso é design inteligente.
A moral é simples: a cooperação pode estar nas regras, mas o que a torna viva é a forma como o grupo as usa.
3. O cooperativismo como filosofia
Falar de cooperativismo é falar de visão de mundo.
É a crença de que resultados melhores nascem da construção coletiva, da confiança mútua e do reconhecimento do outro.
O RPG é, em essência, um laboratório disso tudo.
Você junta pessoas com objetivos diferentes e as coloca pra resolver problemas juntas — o mesmo princípio que sustenta qualquer comunidade.
O mestre (ou narrador) é quase um mediador de assembleia cooperativa: apresenta desafios, mas deixa o grupo decidir o caminho.
E o grupo precisa entender que ninguém joga contra ninguém.
A vitória de um é a vitória de todos.
Essa filosofia vai além do jogo. Ela cria histórias que importam, porque histórias boas são feitas de conexões verdadeiras.
No fim, o que marca não é o dragão derrotado, mas quem lutou ao seu lado.
4. Quando o ego entra em jogo
Seria ótimo se todo mundo pensasse assim o tempo todo.
Mas a verdade é que o ego aparece — e cedo ou tarde, ele atrapalha.
Pode ser o jogador que quer ser o centro das atenções.
Pode ser o mestre que quer provar que o mundo é dele e os personagens são figurantes.
O cooperativismo começa quando a gente entende que dividir protagonismo não é perder espaço.
É multiplicar o impacto da história.
Quando você abre mão de brilhar sozinho, o grupo inteiro brilha mais.
E, convenhamos, um momento compartilhado vale mais do que qualquer número alto de dano.
5. Cooperativismo em ação
Quer colocar essa filosofia em prática na sua mesa?
Aqui vão alguns passos simples:
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Pergunte o que o outro personagem está fazendo antes de agir.
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Dê espaço aos jogadores mais tímidos.
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Construa vínculos entre os personagens (amizades, rivalidades, segredos).
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Comemore as vitórias dos outros como se fossem suas.
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Evite competir por atenção — colabore por diversão.
Esses pequenos gestos transformam mesas comuns em grupos memoráveis.
E grupos memoráveis são o verdadeiro tesouro do RPG.
6. Juntos, até o fim da aventura
No fundo, o RPG é uma microversão de comunidade.
É um espaço onde aprendemos — sem perceber — o valor de escutar, negociar e criar juntos.
Talvez por isso tantas mesas acabam virando amizades duradouras.
Elas nascem do mesmo princípio que move qualquer cooperativa: ninguém é tão forte sozinho quanto somos juntos.
Na próxima sessão, experimente mudar a pergunta de
“O que eu posso fazer pra meu personagem brilhar?”
para
“O que eu posso fazer pra história brilhar?”.
A diferença é enorme.
E, se der tudo certo, você vai descobrir que o melhor final de campanha não é o fim da história… é continuar jogando com as mesmas pessoas.
Porque no RPG, assim como na vida, o verdadeiro loot é o grupo.
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