RPGTober – Dia 6: Diversidade


Basta Funcionar — Uma Nova Teoria da Evolução dos Sistemas de RPG

Alguns jogadores veteranos parecem acreditar que só existe um caminho “correto” para jogar RPG. Eles defendem que a verdadeira experiência está nos sistemas complexos, cheios de tabelas, modificadores e suplementos. Que o resto — os sistemas “menores”, “simplificados”, “indies” — são apenas portas de entrada para os sistemas maiores e melhores.

Mas será mesmo?

Recentemente, lendo um texto da neurocientista Suzana Herculano-Houzel (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/10/ninguem-precisa-ganhar-dos-outros-basta-funcionar.shtml), me peguei pensando com os meus botões, em como o universo dos sistemas de RPG imita o da ciência, até mesmo sem querer. No texto, ela questiona a ideia de que toda característica da vida existe porque serve para alguma coisa. Aqui, poderíamos dizer que muitos jogadores acreditam que só os sistemas que “aperfeiçoam” a experiência — que tornam o jogo mais “realista”, mais “estratégico” ou mais “profundo” — merecem ser levados a sério.

E assim, criamos o nosso próprio “darwinismo rpgístico”.

A Sobrevivência do Mais Complexo

Nos fóruns e mesas de bar, o discurso é familiar:

“Ah, mas esse sistema é muito leve, não tem profundidade.”

“Isso aí não é RPG de verdade.”

“Jogo sério é aquele em que você precisa de uma planilha para calcular o dano."

É a versão lúdica da “sobrevivência do mais apto”. Só os sistemas mais detalhados, mais antigos ou mais reverenciados “sobrevivem” no imaginário dos veteranos. Os outros são tratados como mutações estranhas — curiosidades que, inevitavelmente, serão extintas pelo peso das regras “superiores”.

Mas o RPG, assim como a vida, não evolui para ser perfeito. Ele evolui porque pode e havia um nicho nesse ecossistema para isso.

A Teoria do “Basta Funcionar”

O que Herculano-Houzel propõe para a biologia, podemos aplicar aos jogos: talvez a beleza do RPG não esteja em sua busca por eficiência, e sim na sua pura capacidade de funcionar e entreter um grupo de pessoas por algumas horas.

Um sistema de RPG não precisa ser o mais complexo ou o mais equilibrado para ser bom. Ele só precisa funcionar para o grupo.

Se a mesa ri, se emociona, se envolve, se lembra daquela sessão com carinho, o sistema cumpriu sua função evolutiva: ele sobreviveu.

Não importa se você joga com dados de 6 lados, dados de 20 lados, cartas, moedas ou um aplicativo de celular. Se o jogo funciona, ele é válido.

O Mito da Superioridade Lúdica

A ideia de que certos sistemas são “melhores” cria um problema cultural: ela afasta novos jogadores e sufoca a diversidade do hobby. Quando só alguns sistemas dominam o ecossistema, o RPG perde sua diversidade de mecânicas, narrativas e cenários e começa a parecer um ecossistema colapsado, esvaziado de sua variedade, onde todos parecem clones e retro clones um dos outros. 

Já percebeu como o cenário indie está cheio de ideias ousadas, criativas e emocionalmente intensas?

Sistemas Indie são pequenas revoluções em miniatura. Cada um deles amplia o conceito o que é jogar RPG, e cada um deles merece existir simplesmente porque... funciona para alguém.

A Seleção Natural das Mesas

Nas mesas de RPG, a seleção natural acontece de forma curiosa. As regras que não funcionam, morrem com o passar das edições. As que os jogadores "aceitam", evoluem. E de versão em versão, sempre haverão regras que caem em desuso (ThAC0, eu estou falando de você!) e vez ou outra alguém vai querer trazer de volta, ou descobrir e achar que reinventou a roda. Ok, não tem problema nenhum nisso. 

Sabe porquê?

Existem regras que fazem  sentido para as pessoas que estão ali, naquela mesa específica.

É por isso que tantos mestres criam suas próprias variações, misturam sistemas, reinventam fichas.

E talvez, ao invés de buscar o “sistema definitivo”, devêssemos abraçar a ideia de que todos esses sistemas coexistem, e que essa multiplicidade é o que mantém o hobby vivo.

A Nova Narrativa do RPG

O RPG não é uma corrida em busca do sistema perfeito. Primeiro porque não há isso de "sistema perfeito". E segundo que ele é mais um meio do que um objetivo por si só. Um meio através do qual as histórias são contadas e os jogadores rolam os dados.

A teoria do “Basta Funcionar” é uma libertação: jogar RPG não precisa ser um ato de comparação, onde vence o sistema mais gamista ou mais simulacionista

Você não precisa justificar seu gosto, nem provar que seu sistema favorito é mais equilibrado ou mais “realista”.

Se ele te diverte, se ele cria conexões, se ele faz você querer voltar à mesa… ele já venceu.

A Diversidade é o Que Nos Mantém Jogando

Assim como na teoria da evolução,  a sobrevivência depende da diversidade. Cada sistema, por mais pequeno que pareça, carrega uma centelha única de criatividade, que se soma a outra e cria uma comunidade que busca algo semelhante, passando adiante. Um mestre, ensina um jogador que ensina um grupo, no qual a um jogador que vira um mestre e ensina um novo grupo e assim sucessivamente. Talvez nem todos gostem do mesmo sistema por toda extensão de suas vidas. Todavia, a vida, o sistema e os jogadores encontraram um meio para continuarem a propagar o hobby.

Então, da próxima vez que alguém torcer o nariz para o sistema que você escolheu, sorria.

Diga apenas:

“Funciona pra gente.”

No final das contas, é isso que faz o RPG sobreviver.

A celebração do que funciona.

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