É faz de conta, mas é sério!

 


Fingir. Fingir é a base do RPG. Fingimos ser elfos, mercenários, mechas, magos, pilotos de caça interplanetária. Fingimos ser deuses. Fingimos morrer. Fingimos vencer nos piores inimigos e temores. Brincamos de faz de conta— e é isso que nos salva.

Poderia dizer que o RPG é a mais elaborada forma de mentira colaborativa já criada. E, ao mesmo tempo, a mais sincera. Porque por trás de toda máscara, todo personagem, toda “voz engraçada” ou “trauma dramático” da ficha, existe algo que talvez nunca tivesse coragem de aparecer se não fosse assim — disfarçado.

E eu não estou falando de dramatização, nem de atuação no estilo live action. Falo de como, em silêncio, o que mais revelamos no RPG é aquilo que tentamos esconder fora dele.

O jogador mais brincalhão da mesa geralmente esconde um poço de melancolia. O mestre que descreve o mundo como se fosse um exilado, talvez esteja mesmo exilado de alguma parte de si. E o guerreiro impulsivo, que age antes de pensar? Às vezes, é o cara mais contido da sala — alguém que só queria, por algumas horas, poder ser livre.

RPG é um confessionário onde ninguém sabe que está confessando.

Quantas vezes já vi gente criar personagens que morrem salvando os outros? Ou vilões trágicos que querem ser amados? Ou paladinos que fazem piada o tempo todo, mas carregam o fardo do grupo nas costas?

É tudo mentira. Claro que é. Mas é uma mentira honesta. E, talvez por isso, mais real do que o que dizemos no dia a dia. Porque ninguém espera que sejamos sinceros no RPG — então, somos. Sem que ninguém perceba.

“Seu personagem faz o quê?”

“Eu tento convencer o guarda a deixar a gente passar, mas sem violência. Só com a palavra.”

E o jogador que sempre se calou numa discussão na vida real, por não saber como se impor, pela primeira vez sente a sensação de ser ouvido. Talvez ele passe horas ensaiando aquele diálogo na cabeça. Talvez nunca diga aquilo para ninguém fora da mesa. Mas naquele momento… ele teve a coragem necessária.

Por isso, é bom lembrar: quando zombamos de um personagem, estamos zombando de algo que talvez seja muito sério para alguém. Quando menosprezamos uma escolha de ficha, talvez estejamos atacando o que essa pessoa gostaria de ser — mas nunca teve coragem. E quando damos voz a monstros, talvez estejamos ecoando um lado nosso que a gente tenta enterrar.

Não estou dizendo que toda mesa tem que virar sessão de terapia. Nem que todo personagem tem que ser um avatar da alma. Às vezes um bárbaro é só um bárbaro. Às vezes um piadista é só um piadista.

Mas, se você joga RPG há tempo o suficiente, já viu a máscara cair. Já viu a voz tremer. Já viu alguém jogar os dados com força demais, ou hesitar antes de descrever como mata o vilão. Já viu alguém ficar quieto quando o grupo zomba de algo… que talvez tenha sido ele mesmo quem projetou.

É aí que mora a beleza — e o perigo.

Porque o RPG te permite ser quem você quiser. Mas às vezes, tudo que você quer é ser quem você realmente é. E essa verdade, nua e crua, só consegue escapar quando você veste a armadura de uma faz de conta.


Então continue brincando de faz de conta.

Faz de conta que é herói. Faz de conta que é vilão. Sinta-se  poderoso e livre, até amado ou temido por algumas horas. Faça de conta, com todo o coração.

Alguma hora, você vai perceber que estava falando de si mesmo o tempo todo.

E tudo bem. Eu também faço isso.

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