RPGTober – Dia 15: Caráter
Caráter: o Fio de Aço que Sustenta o Herói
Existe algo que nenhuma ficha de personagem consegue, de fato, medir. Não o encontramos em Força, Carisma ou Vontade. Não se resume a um número, nem a um bônus.
Talvez o que se aproxime mais seja a tendência e os alinhamentos em alguns sistemas como D&D. Esse algo é o caráter.
Muitos jogadores debatem moral, alinhamento, o certo e o errado. Mas o caráter é mais antigo do que tudo isso. Ele é o que define seu personagem em um momento importante: O que o seu personagem faz quando ninguém está olhando?
Todos somos justos sob os olhos dos deuses e dos nossos pares. Todos somos nobres nas canções cantadas pelos bardos da taverna. Mas será isso tão verdade assim?
O verdadeiro teste do caráter, porém, vem na solidão: quando não há testemunhas e a escolha se resume à própria consciência contra a conveniência.
O caráter se revela no que o herói faz quando a vitória exige uma traição. Mostra-se no que o guerreiro decide quando o inimigo estende a mão, pedindo piedade. Se expõe no que a ladina sente quando o ouro está ali, reluzindo, sabendo que ninguém nunca descobriria.
Os sistemas de RPG tentam encaixotar isto no alinhamento, mas a verdade é que o caráter não daria para ser limitado ali.
Um personagem pode ser Caótico e, ainda assim, leal aos seus ideias e não se vender por nada. Pode ser Maligno, mas ter princípios inabaláveis.
O caráter não é sobre ser "bom". É sobre ser integro.
O conflito mais perigoso é interno
O combate mais difícil de todos não acontece nas masmorras, nem contra os dragões. Acontece, sim, dentro da cabeça do personagem — no abismo entre o que ele acredita ser e o que o mundo o tenta forçar a se tornar. E isso pode refletir no jogador do tal personagem.
Um exemplo clássico: um paladino que descobre corrupção na própria ordem. O que ele faz? Denuncia, sabendo que destruirá a fé de milhares? Ou encobre, acreditando que o bem maior justifica a mentira?
Ambas as escolhas podem ser heroicas. Ambas podem ser motivos para que ele perca seus poderes divinos.
Três perguntas para forjar o caráter de um personagem
O caráter não nasce do nada. É lapidado como uma espada: na forja, com força, suor e dor. Se quiser que o seu personagem tenha profundidade, comece por aqui:
O que ele nunca faria, sob nenhuma circunstância? Todo personagem precisa de uma linha que não cruza. Pode ser mentir, matar, abandonar alguém. Essa linha define o que ainda o torna ele mesmo.
O que ele sempre tenta fazer, mesmo quando falha? Essa é a centelha que o mantém em movimento. O voto pessoal, a promessa quebrantada e o sonho impossível.
O que ele teme se tornar? Todo herói carrega a sombra do monstro que pode ser. O medo de se corromper é o que dá sentido à sua jornada.
Essas três perguntas valem mais do que qualquer sistema de alinhamento. São o esqueleto moral da sua história.
O caráter do mundo reflete o caráter do mestre
E falando em forjar... os mundos que criamos nos jogos são, muitas vezes, espelhos distorcidos de nós mesmos.
Quando um cenário pune a bondade e recompensa a crueldade, o que ele está dizendo sobre o seu criador? O Mestre, querendo ou não, imprime seu caráter nas aventuras. Os deuses que ele cria, os vilões que redime, as punições e recompensas que impõe — tudo isso fala mais sobre quem conta a história do que sobre quem a vive.
Um Mestre que oferece apenas vitórias fáceis ensina pouco. Mas aquele que faz o grupo sangrar por cada decisão... esse, sim, cria lendas.
O caráter como herança
Afinal, o que o personagem deixa quando morre? Tesouros apodrecem. A glória se desvanece. Mas o caráter — o exemplo — permanece.
O escudeiro que testemunha o sacrifício do cavaleiro carrega aquela chama. O povo que viu o mago morrer para salvar uma aldeia jamais esquecerá. E às vezes, esse eco se torna mais poderoso do que qualquer magia.
O caráter é o único "equipamento" que realmente atravessa gerações. É o que separa o herói de um nome esquecido em uma ficha velha.
O que você está interpretando, afinal?
Na próxima vez que criar um personagem, pergunte a si mesmo: Você está interpretando um guerreiro? Ou está interpretando a ideia de coragem que esse guerreiro representa?
Porque o caráter não é só sobre o que o personagem faz. É sobre o que ele inspira — em si mesmo, nos outros jogadores, e até no Mestre.
E é disso que se faz uma boa história: de verdades imperfeitas, de escolhas difíceis. De caráter.
Comentários