RPGTober – Dia 31: Horror/Terror
Dizem que o terror é o susto e o horror é o que fica depois. E se tem algo que o RPG faz bem, é deixar as coisas ficarem depois.
Mas calma, não estou dizendo que sua próxima aventura precise começar com crianças possuídas e padres girando crucifixos. O medo — seja ele o do salto na cadeira ou o da inquietação que corrói devagar — pode ser uma das ferramentas narrativas mais poderosas que um mestre tem à disposição.
Terror: o medo do que pode acontecer
O terror é o susto, o reflexo, o instinto. É o jump scare, a trilha sonora que sobe do nada...
Quando Ridley Scott colocou o xenomorfo no espaço, em Alien, o Oitavo Passageiro, ele criou terror — não porque o monstro era visível, mas porque o público sabia que ele estava ali, em algum lugar. O horror talvez seja a cena do chestbuster nascendo (veremos isso a frente).
Na mesa de RPG, o terror vive no imediato: no alçapão que range, a armadilha que dispara, o monstro que ataca do nada.
Como usar o terror na sua mesa:
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Controle o ritmo. Fale devagar, diminua o tom, e deixe o silêncio trabalhar por você.
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Use os sentidos. Descreva o cheiro do sangue, o frio que sobe pelas costas, o som que se repete sem padrão.
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Dê poder à incerteza. No terror, o medo vem do desconhecido. Deixe que os jogadores imaginem o pior — eles sempre farão um trabalho melhor do que qualquer descrição explícita.
Terror é adrenalina pura, jogue com isso ao seu favor.
Horror: o medo do que já aconteceu
O horror, por outro lado, é o medo que fica. É o choque que vira angústia por não conseguir processar o que aconteceu.
Em O Exorcista, o verdadeiro horror não é o demônio, mas o que ele representa: a perda de controle sobre quem amamos e a corrupção de uma alma inocente.
Em A Mosca, de Cronenberg, não é o sangue nem as feridas que nos assustam(embora de nojo) — é a lenta dissolução da humanidade.
O horror é mais filosófico, mais sujo, mais pessoal. Ele pergunta “e se fosse você?”.
Como usar o horror na sua mesa:
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Mostre as consequências. Depois do monstro, mostre o que sobrou. O vilarejo arrasado, os olhos de um sobrevivente e um trauma constante.
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Trabalhe o desconforto moral. Às vezes o horror não vem do monstro, mas das escolhas que os personagens fazem para vencê-lo.
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Dê espaço ao silêncio emocional. Nem toda cena precisa terminar com ação. Às vezes o verdadeiro medo vem quando a ficha cai.
Horror é digestão lenta. É o medo que permanece depois do susto.
RPG: o palco ideal para o medo
E o RPG, esse grande teatro de possibilidades, é o único lugar onde podemos acender o fósforo e assistir ao fogo crescer com prazer culpado.
Quer um bom exercício?
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Em uma sessão, trabalhe terror: jogue os jogadores em algo imediato — uma perseguição, uma casa escura, uma voz chamando por um nome esquecido.
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Na seguinte, explore o horror: mostre o que aquela experiência custou. Talvez um personagem tenha trazido algo de volta. Talvez o grupo perceba que o verdadeiro monstro era um deles.
Misture, mas com propósito
O segredo não está em escolher um ou outro, mas em saber quando cada um entra em cena.
O terror prepara o terreno; o horror é a colheita.
Um mestre habilidoso alterna os dois: primeiro faz os jogadores recuarem, depois os faz olhar para dentro.
Quer um exemplo simples?
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Terror: um corpo cai do teto — sangue, susto, adrenalina.
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Horror: o grupo percebe que o corpo é de um antigo companheiro. E que foi um deles quem o matou, sem lembrar.
Conclusão: A Narrativa do Medo
Usar medo em RPG não é sobre traumatizar jogadores — é sobre fazer com que eles sintam.
Quando o mestre entende a diferença entre terror e horror, ele ganha um novo repertório para usar, uma paleta de emoções novas. O medo vira ferramenta de empatia, de reflexão, até de catarse.
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